PUBLIQUEM-SE!!!

Novos autores bancam produção própria

Dois lançamentos recentes reforçam a tendência de publicações de autor como caminho alternativo para driblar o conservadorismo do mercado editorial. Amanhã. Aqui. Nesse mesmo lugar (92p.), de Sérgio Puccini, e Juventude Supersônica (82p.), de Beso, lançados sob o selo desta Javali projetos experimentais, são cuidadosas edições que vieram à terra graças ao empenho e dedicação dos próprios autores. Amanhã. Aqui. Nesse mesmo lugar reúne contos curtos escritos entre 1999 e 2001. Já Juventude Supersônica trás um consistente apanhado da intensa produção de Beso no campo da poesia. Ambos os livros são resultado de uma longa jornada de trabalho cujo início data lá por meados da década de 80 (Sérgio Puccini) e começo da década de 90 (Beso). Após esse tempo de maturação, os dois resolveram que já era hora de tirar os escritos da gaveta e dar a cara à tapa. O livro de Sérgio Puccini contou com a valiosa colaboração do escritor e roteirista Marçal Aquino, que escreveu o texto da orelha. Beso tem uma longa participação no projeto Cooperifa, do poeta Sérgio Vaz.

Como aperitivo, os excertos abaixo:

Amanhã. Aqui. Nesse mesmo lugar

Warley é um próspero dono de uma concessionária. Tem mulher e filhos os quais maltrata com regularidade. Warley aprendeu o ofício muito cedo. Quando criança já via seu pai espancar sua mãe ao final de quase todo o dia. Cinta, cabo de vassoura e até um pequeno estilete eram os instrumentos preferidos por seu pai. Sua mãe culpava a bebida. Warley não bebe. O que é motivo de orgulho para sua esposa.

(De pai para filho)

“Tudo por causa de um anel de brilhante...”, a prima disse.

Um anel de brilhante... Isso me fez olhar para as mãos dela. Não vi nenhum anel mas dei pela falta de um dos dedos. Ela percebeu. Tentou esconder a mão mas acabou derrubando um copo. Tentei ajudá-la com os cacos mas ela segurou forte a minha mão e me disse:

“Por favor, não!”

(trecho A escandalosa Esther Williams)

Bolo na cara mas ele desvia. Ela grita “vagabundo” mas ele não se sente ofendido. Na garagem, ela tenta amassar o carro com um vaso mas o vaso se quebra cortando sua mão. Ela limpa o sangue no vestido e continua a agressão, dessa vez com a vassoura. O cabo se parte. Ele suporta a dor porque entre tantas dores não seria aquela a pior.

(trecho Vagabundo)

Chamou pela mulher. Sabia que estava lá. Gritou seu nome. Nenhum sinal. Recuou. Olhou em volta da casa. Janelas fechadas com tranca forte. Lembrou das grades contra ladrão. Do cachorro que morreu engasgado com osso. Controlou a tremedeira. Não sabia se de raiva ou de frio. Encostou as costas no pilar da varanda. Tentou relaxar. De todos os lugares do mundo aquele era sua pior escolha.

(trecho O forte e o fraco)

Juventude Supersônica

“Leio-me tão cegamente

que às vezes penso escrever

a biografia de um desconhecido”

(trecho do poema Lição)

“E de repente, ela me deixava na sua frente, se deixava passar, e eu tinha uma inconsciência pacífica, como um condenado a quem um falso nascer da aurora ilude, e então eu tinha mais medo ainda...”

(trecho da prosa-poética Atrás de Rimbaud)

“Refazer essas ruas novamente

sem o amor

de outrora

enquanto os planos são traçados na descida

despavimentando as esperanças passadas”

(trecho do poema Onde Moramos)

antes

surgirá um som impossível

com todas as mentes fora de sintonia

então

toque fogo no seu chão

e aprenda logo a evaporar

(trecho do poema Rua sem saída)

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